13.7.15

Análise do Ship


Então, cá estou eu com um post novo! O que realmente trago hoje não é exatamente feito por mim: é uma análise do ship Nezushi, que estava em inglês e eu decidi traduzir, pois está tão PERFEITA que eu acho que toda a gente a devia ler, pelo menos todos os fãs de No.6. A leitura do original pode ser feita aqui no blog Classy Shipper: www. Não tenho muito mais a dizer, a não ser que o post é longo e que me deu bastante trabalho a traduzir, então mesmo que queiram recomendar a tradução em algum lado, pelo menos creditem também a minha parte do trabalho, ok? Ah, e eu nem sou assim tão grande coisa a inglês, então caso detetem algum erro, sintam-se livres para me avisar :) Obviamente, para quem nunca acompanhou sequer o anime, o post contém spoilers.

A tradução começa aqui - CRÉDITOS EM CIMA!!!
Série: No. 6 (light novel, anime e mangá: a tradução da novel está disponível [em inglês] aqui e o mangá em inglês pode ser encontrado aqui); esta análise cobre o anime, a light novel original e o mangá, apesar de haver histórias suplementares.
Nome do Ship: Nezushi, NezuShi, ネズ紫 

Nezumi e Shion são um ship tão canon como você poderá encontrar em qualquer lado; apesar de No. 6 focar nas fundações de pesadelo e na eventual destruição da cidade distópica, o relacionamento entre os dois rapazes ocupa um grande papel no enredo e serve como o coração pulsante da série. Eu acho este ship fascinante por várias razões: a naturalidade com que é tratado o romance queer, como a série recusa aos leitores um encerramento definitivo para o romance, e como o romance em si comporta uma plena e honesta dinâmica entre as personagens que descendem, respetivamente, de uma cultura opressora e oprimida.

Esta análise será dividida em 4 secções separadas:

  • I. Desvanecendo em ti: Opostos podem fazer mais do que se atraírem um ao outro
  • II. Amor faz Sopa: Honestidade, Conflito e Desejo
  • III. Opressor e Oprimido: Amor e as Políticas do Privilégio
  • IV. A Reunião Virá: Porquê que Nezumi não pode ficar e Porquê que Shion precisa que ele parta

I. Desvanecendo em ti: Opostos podem fazer mais do que se atraírem um ao outro

Muito foi feito a partir da dinâmica kuro-shiro (preto e branco) em ships populares; as caraterísticas físicas das personagens em si indica forças opostas em ação. E é verdade, pelo menos superficial e inicialmente, que Shion e Nezumi encarnam essa dinâmica. A vida de Shion é privilegiada, mesmo após perder as graças de No. 6; A existência de Nezumi, pelo contrário, tem sido marcada pela dor e pelo sofrimento. O mundo de Shion é definido por laços e relacionamentos - com a sua mãe, com Safu, com Nezumi  enquanto a de Nezumi é definida pela perda e pela resistência a esses laços. Nezumi sabe como viver no Bloco Oeste e Shion não. Nezumi é cínico detém grande conhecimento, enquanto Shion é inocente e ingénuo. Nezumi é quase obviamente a escuridão à luz de Shion, um contraste enfatizado pela sua transformação física a partir de um rapaz normal num marcado sobrevivente de cabelo branco.

Mas a dinâmica entre os dois não é nem de perto tão simples como isso, e a complacência de No.6 parra subverter essa dinâmica é uma das coisas que mais me intriga nesse ship. Apesar de Nezumi e Shion começarem como opostos e serem sempre vistos como diametricamente opostos, não o são realmente; ambos se comparam um com o outro e se influenciam mais do que admitem. De facto, esses momentos de similaridade e transformação são o que move o enredo para os momentos-chave e principais.

Ao longo de No.6, Nezumi repreende Shion pelos seus laços e relacionamentos. Shion luta por remover o ser ID de cidadão, sabendo que isso cortaria os seus laços com a mãe, e sente-se aliviado e grato quando Nezumi arranja um modo de comunicar com ela. Mais tarde, ele imediatamente faz um plano para salvar Safu quando encontra o seu casaco numa pilha de bens contrabandeados no Distrito Oeste. Shion não os pode deixar para trás, de acordo com Nezumi - que frequentemente zomba desse sentimentalismo. Isto é inteiramente verdade... até Nezumi eventualmente se encontrar a si mesmo vítima dos mesmos sentimentos. É Nezumi que arranja um modo, apesar do conhecimento de Shion, de salvar Safu quando reconhece que a amiga de Shion está em apuros, e é Nezumi quem arrisca a própria vida por Shion no Edifício Correlacional. Mais importante  - e eu penso que as ramificações disto são negligenciadas por outros aspetos do seu relacionamento - Nezumi vigia Shion através do seu rato por, está implícito, anos após a primeira vez que se conheceram. Ele proclama que fazendo isso está a repagar a sua antiga dívida por Shion, mas após a dívida estar paga Nezumi continua a manter o seu apego por Shion bastante claro. Para alguém que constantemente denuncia a falta de vontade de Shion de deixar ir tudo o que o mantém preso ao passado, Nezumi tem uma ligação a Shion que quase o faz morrer.

Isto também funciona em sentido contrário, é claro. Apesar de Shion ser mostrado como o inocente da série em contraste com Nezumi e o seu conhecimento cínico, ele também possui uma afiada auto-consciência e carrega um imenso conhecimento doloroso que o transforma e torna incapaz de retomar a sua vida tal como já foi. Apesar de Nezumi se apresentar a si mesmo como alguém capaz de tudo para sobreviver e Shion como alguém incapaz de fazer o necessário, No.6 é em muitos sentidos um conto sobre a jornada de Shion até ao conhecimento e compreensão. Esse conhecimento tem os seus custos, e é um custo que desvasta Nezumi: Shioon perde a sua inocência. Essa perda concretiza-se por completo no Edifício Correlacional, onde Shion tira uma vida para proteger Nezumi e quando mais tarde se apercebe da realidade sobre o que No. 6 é e o que aconteceu a Safu. Todos esses incidentes o transformam de um modo tanto doloroso como poderoso, e resultam à sua maneira na morte de quem ele costumava ser - uma morte que Nezumi visivelmente lamenta e que o manga justapõe com imagens da perda da sua própria inocência. Nezumi lamenta que Shion tenha entrado no mundo que ele conhece demasiado bem. Shion já não é mais uma criança cega - e nessa altura, ele está a experimentar uma pequena porção do fardo de Nezumi.

Então, não, o relacionamento entre Shion e Nezumi não é assim tão preta e branca como inclui escalas de cinza, uma luta e um instigamento perpétuo para duas pessoas que, apesar de aparentarem ser completamente diferentes, combinam as suas vidas de uma maneira que desafia ambos. O seu relacionamento é quase sempre marcado por conflitos: o conflito entre No.6 e o Distrito Oeste, o conflito entre o idealismo de Shion e o cinismo de Nezumi, o conflito entre a ignorância de Shion e o conhecimento de Nezumi. O que faz o relacionamento entre eles tão comovente é que esses conflitos nunca se limitam a repetir-se de novo e de novo, em vez disso mudam tanto Shion como Nezumi. Através do processo de conhecer Shion, Nezumi é fundamentalmente influenciado - ele está ciente e admite para si mesmo que traiu o seu próprio código de crenças e comportamento através do seu laço com Shion. E através do processo de conhecer Nezumi, Shion deverá perder alguma da sua inocência para poder entender completamente o mundo à sua volta e o seu significado.

Eu gosto de pensar que em alguns dos melhores e mais profundos relacionamentos, os amantes se mudam e influenciam um ao outro igualmente tanto em grandes como pequenas coisas, e isso acontece com Nezumi e Shion. No fim da história, as transformações pelas quais ambos passaram é uma marca do laço que eles partilham.

II. Amor faz Sopa: Honestidade, Conflito e Desejo

Nas histórias de amor tradicionais, há sempre um Momento. Você sabe o que eu quero dizer. O Momento é quando um dos protagonistas, ultrapassado pelo desejo e pela afeição, profere abruptamente uma confissão de amor pelo seu parceiro. Às vezes há flores, às vezes um beijo, e ocasionalmente sexo. O Momento exige um palco. O Momento é o momento, droga. O grande. Por vezes o único.

Sou grata por No.6 não ter um Momento. Em vez disso, tem vários momentos grandes ou pequenos, mundanos e primorosos. A série não tem medo de dar às personagens a chance de simplesmente aproveitarem e sentirem prazer na companhia um do outro. Nezumi e Shion, da maneira que se amam, representam uma forma incrivelmente honesta de devoção: as suas implicações e disputas, as suas veementes discordâncias, a partilha de comida e de uma cama, os seus beijos e a dança e os abraços. E o que resulta desta sequência de momentos é um romance notavelmente natural que nunca aparece forçado ou fetichisado ou explorado.

Fans do ship e do anime irão lembrar a "sopa de Macbeth" de Nezumi, uma mistura caseira com que ele alimenta Shion pouco depois da sua chegada ao Bloco Oeste. É um ato simples, esse fazer de comida, mas adorável da parte de alguém que geralmente não vê como assunto seu providenciar algo a quem quer que seja. Há mais, igualmente simples, momentos. Shion aquiesce sem reclamar quando Nezumi demanda querer usar o chuveiro primeiro. Está implícito na série (através da queixa de Shion sobre como Nezumi se mexe ao dormir e uma imagem no mangá) que eles partilham a mesma cama. Eles memorizam pequenos factos sobre o outro. Nezumi reclama quando Shion faz mudanças na sala. Shion preocupa-se com o bem-estar de Nezumi. Estes são todos pequenos momentos, momentos normais, mas qualquer pessoa que tenha amado e vivido com alguém irá reconhecer que é o que pessoas que se amam fazem quando estão a viver juntas. 

Também considero incrivelmente honesta a forma como Nezumi e Shion discordam tanto. Não apenas quando No. 6 em si, mas relativamente a numerosas coisas: livros e cães e nomear ratos. Eles tinham desavenças. Nezumi pedia desculpas, às vezes, quando a discussão ia longe demais (e por vezes ia). Shion admitia que os seus sentimentos ficavam magoados. Eles brigam e criam alvoroço tanto quanto flertam. O curso do verdadeiro amor realmente não corria suavemente e a recusa da série em pintar os dois como amantes que só têm olhos um para o outro é notória e reconfortante. Especialmente dadas as suas histórias de fundo - a vida de dor e sofrimento de Nezumi e a largamente privilegiada existência de Shion - é idiota pretender que iriam viver numa espiral sem fim de felicidade sem discordas ou raiva ou ressentimento. Eu gosto de como a série tem noção disso, e a afeição parece verdadeira em seu prol.

Isso também torna os momentos de afeição mais significativos. Penso que qualquer shipper de Nezushi por esta altura já tem os dois beijos na memória: dois deles, igualmente importantes, e igualmente profundos. Shion dá a Nezumi um beijo de despedida antes de o deixar pretendendo salvar Safu sozinha; Nezumi beija Shion antes de partir na sua jornada no fim da série. Para Shion, o beijo é um ato de sonora e desenvergonhada honestidade, um tributo à pessoa que ele adora e que mudou quem ele era para melhor; para Nezumi, o beijo é um momento de desenvergonhada vulnerabilidade, uma promessa de esperança e futura felicidade. E o facto de os beijos serem tão duramente vencidos fá-los parecer, para mim, completamente genuínos e apaixonados. Lendo as novels, você compreende como apesar de Nezumi ser um actor tão bom, não é capaz de de falsificar a sua genuína afeição e carinho. Você aprende que Shion demonstra as suas emoções abertamente, sem medo de quais possam ser as consequências do significado delas. E é adorável. É realmente e verdadeiramente tão belo como qualquer coisa que venha entre os beijos, tão belo como as lutas e os sacrifícios que provam quanto estes dois se dispõe a atravessar um pelo outro.

III. Opressor e Oprimido: Amor e as Políticas do Privilégio


Eu acho que uma das maiores razões que me faz permanecer fascinada com o ship Nezushi é devido ao quão plelo ele é, tanto politicamente como emocionalmente, para Nezumi e Shion. É impossível discutir sobre estas duas personagens sem discutir as suas identidades culturais, e cada identidade cultural respetiva cria uma dinâmica que tem tanto potencial negativo como positivo ao mesmo tempo.

É importante relembrar aqui, eu creio, que Shion vem, e é beneficiado por, uma cultura opressora. Pela maioria da sua vida, ele cresceu na ignorância e beneficiado pela cidade que cometeu atrocidades contra o povo da floresta. Não foi ele próprio que cometeu essas atrocidades, claro, e sente-se naturalmente horrorizado por elas - porém, simplesmente por ser parte de tal cultura, por existir nela sem a questionar, é de um pequeno modo cúmplice da opressão e aniquilação da sociedade à qual Nezumi uma vez pertenceu. Mesmo que não seja diretamente responsável pelo que aconteceu, também nunca lhe ocorreu antes de sair da cidade questioná-la e à sua natureza conscientemente, e ele é responsável pela sua ignorância. Nezumi salienta isto:
Vocês provavelmente nunca tentaram entender o que se passa fora das muralhas, pois não? Provavelmente nem se sentem sequer curiosos acerca disso. Pessoas absortas, arrogantes, felizes... 

Nezumi retome este assuntos por várias vezes; quando descobre que Shion não sabe um poema escrito por Hesse e Shion tenta defender a sua ignorância, Nezumi adverte-lhe que "É o teu trabalho aprender se não sabes". Ele aponta a Shion que as pessoas dentro de No. 6 não vêm os cidadãos do Distrito Oeste "como os mesmos seres humanos". E Shion por si mesmo começa a reconhecer isso também, quando diz a si mesmo que "não pude... recusar-me a questionar" sobre a natureza de No. 6. Ambos Shion e Nezumi compreendem que o tempo de vida de Shion próximo da anterior ignorância lhe permitiu viver uma vida calma e relativamente prazerosa enquanto outros sofriam e morriam fora dos muros. Nezumi não quer que Shion esqueça isso, e mais tarde descobrimos que o próprio Shion não pretende esquecer. Esquecer, ambos parecem compreendê-lo, iria minimizar a magnitude do que acontecera. E mesmo quando ele pensa que compreende a natureza de No. 6 após ver parte do Bloco Oeste, Shion tem um longo caminho a trilhar - e não é até chegar ao Edifício Correlacional que ele se apercebe completamente do que se passa e do que tudo significa. O seu horror visível denúncia, novamente, a sua relativa ingenuidade quanto a No. 6: a tempo inteiro ele acha difícil assimilar que a cidade em que ele viveu foi capaz de algo como aquilo.

Nezumi, por outro lado, tem uma identidade cultural formada à volta da perda. Afastamento. As suas memórias são todas de fogo e de dor, do genocídio literal e cultural. Penso que é importante relembrar que não foi destruído apenas o povo Mao, o lar que ele criou para Elyurias foi destruído e pilhado também e Elyurias em si  - uma espécie de deusa sagrada para esse povo em particular - foi tomada como uma ferramenta da cidade. A cidade praticamente erradicou o que a rodeava até quase nada restar. Destruiu a cultura de Nezumi ao ponto de ele vagamente entender a sua própria história, com apenas parcas memórias e conhecimento da família, vida e tradição a que ele se habituara. A mesma cidade tentou destruí-lo a ele. E Nezumi estava ciente disso, ciente da cidade que ainda agora matava e destruía enquanto os seus cidadãos viviam dentro dela alegremente. É uma história velha como o tempo, um conto de privilégio e marginalização, e ele viveu-o. Desse ponto de vista, o seu ódio por No. 6 faz todo o sentido. O seu desejo por obliterar o lugar parece amplamente racional. E anda assim, a pessoa por quem ele se preocupa, a pessoa que ameaça mudar a sua vida, emerge da herança de tudo o que ele odeia, tudo o que roubou a sua cultura e família e esperança para longe dele.

E isso, para mim, é onde o ship começa a velejar, porque No. 6 não tenta passar por cima ou "consertar" este problema em particular. Nezumi realmente, realmente odeia No. 6 - mas começa a parecer lá pelo fim da série que ele compreende, pelo menos, que pessoas decentes como Shion podem vir dela e deseja mudá-lo. Shion, após tomar consciência das atrocidades cometidas em nome de No.6, encarrega-se a si próprio de mudar o sistema. Ambos encontram a "terceira alternativa" que Shion esperava - uma compreensão um do outro que é baseada na consciência da dor passada, assim como a vivida esperança do futuro. E de facto, é a única forma de o seu relacionamento poder trabalhar. Para Nezumi e Shion se amarem, Shion não pode ser cego, e consciência demanda ações e alguns reparos da sua parte. Ele não pode voltar ao normal, não sabendo o que sabe. Adicionalmente, o próprio Nezumi deve aprender que algo novo pode emergir das cinzas do que já foi - deve aprender a perdoar, ainda que só um pouco. Mas a dor que provém destas perdas culturais e emocionais é tão profunda que mesmo com os corações dispostos de Nezumi e Shion, não vai curar num dia, ou em muitos dias. E isso conduz-me à parte final da análise...

IV. A Reunião Virá: Porquê que Nezumi não pode ficar e Porquê que Shion precisa que ele parta

O final de No.6 incomodou o fandom. Incomodou-me a mim, também, quando o li pela primeira vez.

Porque Nezumi parte. Após toda a dor e luta, após quase morrer por Shion, após libertarem Elyurias e reencontrarem Safu, Nezumi... parte. Vai numa caminhada com Shion, beija-o em despedida e promete-lhe que se vão reunir, e vai embora. Na conclusão da série, Shion aparenta estar tão confuso como os leitores, agarrando-se apenas à promessa de Nezumi de que ele irá, um dia, voltar.

A questão nos lábios de qualquer fã é: "Mas porquê que Nezumi tem de partir?"

Há uma variedade de interpretações, e suspeito que estão corretas num ou noutro degrau: Nezumi não é capaz de lidar com os seus próprios sentimentos, Nezumi precisa de se encontrar a si mesmo primeiro, Shion tem de crescer por conta própria. Mas eu suspeito que há algo mais que isso, e o primeiro aspeto tem a ver com o que eu discuti na secção anterior: o facto da identidade cultural, e do privilégio, que distancia Nezumi e Shion.

Ao longo de No. 6, Shion sempre teve algo a que podia retornar. Perde Safu, sim, mas tem a sua mãe. Ele tem família. Tem um propósito após a morte de Safu e o seu desejo de ajudar a reformular e reconstruir a cidade. Shion chama Nezumi de lar - e acredito que para ele Nezumi seja mesmo o seu lar - mas Shion também existe numa rede omnipresente de amor e ambição sob ele. Mesmo quando estava "sozinho" desde a saída de No. 6 até estar Bloco Oeste, tinha constantemente Nezumi ao seu lado - um detalhe que ele enfatiza incontáveis vezes. Esse é o seu privilégio: o amor de uma mãe que o ama, uma constante companhia, um propósito na vida. Ele experimentou a perda, sim, mas essa perda não lhe roubou tudo. Shion nunca experienciou a verdadeira solidão.

Mas Nezumi não tem nada além de Shion. Não tem um propósito real, um objetivo claro agora que No. 6 não existe mais como uma sanguessuga inchada a ser destruída. Não tem família, e até agora não teve objetivos além da mera sobrevivência. Não tem realmente uma história, apenas algumas memórias. Não tem a rede de segurança que Shion tem, e apesar de Karan certamente o abraçar, ela não pode substituir o que ele perdeu. No. 6 roubou a história de Nezumi, a sua família e o seu sentido cultural, e amor não pode remediar isso. Nem mesmo mesmo o amor mais apaixonado e carinhoso pode remediá-lo. Para Nezumi, o fim de No.6 significa o começo da sua própria jornada, suspeito, para recuperar a sua identidade - para descobrir quem e o que ele é quando não é um sobrevivente ou um fugitivo. Deixar Shion resulta do reconhecimento de Nezumi do abismo que os separa, que continua a separá-los, um que Nezumi não poderá consertar até encontrar alguma da sua própria identidade. E para Shion, perder o seu lar - Nezumi - espelha a dor que Nezumi suportou desde o massacre de Mao. Pela primeira vez, no final da série, Shion experimenta o que é estar sem rumo e à deriva, não poder fazer nada face a circunstâncias imutáveis que vão levar algo querido para longe dele. Nezumi perdeu tudo, e agora Shion deve perder o seu "tudo", pelo menos por uns tempos. Para Nezumi, a partida é um progresso natural na recuperação de si mesmo; para Shion, a partida em última análise ajuda-o a compreender a verdadeira dor do que significa perder o seu lar - para compreender Nezumi.

Eu também dou um monte de credibilidade à teoria de que ambos têm muito para crescer. Nezumi sempre foi um ator, e atuar sempre foi a sua moeda de troca; Shion comenta algumas vezes a sua mutabilidade e o seu mau humor, a sua habilidade de esconder as suas próprias emoções. Nezumi desarma conversas desconfortáveis e disfarça a sua própria vulnerabilidade com gracejos, citações, gestos e grandiosos excertos - mas após o pesadelo no Edifício Correlacional, não foi capaz de o fazer mais. Ele sabe, e Shion sabe, que Shion viu o seu eu verdadeiro e despido: as suas lágrimas, a sua vulnerabilidade, o seu pânico, o seu amor. E Nezumi, que sempre viveu segundo um código de desapego, deve confrontar o que significa estar real e verdadeiramente atraído por alguém. A seu modo, a partida para longe de Shion é uma confissão implícita do quão próximos eles são - e um tributo amoroso pela força que Shion demonstrou. Esta partida é uma forma de Nezumi dizer, "Cresceste". 

Mais importante, Shion tem de confrontar o mundo sozinho pela saúde do seu crescimento pessoal. É sempre doloroso para mim pensar em como Nezumi esteve sozinho, e por tanto tempo: a interação que mudou a sua vida com Shion é uma das suas poucas experiências agradáveis num mundo marcado de outro modo pela frieza, dor e pela fraude. Imaginar Nezumi simplesmente a assistir Shion de longe, inconsciente do seu relativamente privilegiado mundo em No.6, enquanto ele raspava cada bocadinho do Distrito Oeste, é de partir o coração. Nezumi sabe o que é estar sozinho, sobreviver sozinho - mas pela sua integração em No. 6, Shion não. Mesmo quando ele perde Safu, tem Nezumi. Agora, com a partida de Nezumi, ele finalmente vai atravessar a sua prova final, um último teste de sortes. Ele tem de começar por conta própria, e fazer decisões por si mesmo, sem saber que Nezumi estará lá para o apanhar se cair. É difícil e doloroso - mas as lições que Nezumi ensinou a Shion sempre foram duras e dolorosas, ainda que não, notavelmente, sem recompensas. 

E no final, há um beijo. Uma promessa. Eu por vezes penso que o fandom esquece que mesmo sem ter feito uma promessa após a primeira vez em que se separaram, Nezumi diligentemente manteve um olho em Shion até chegar a altura de se reencontrarem. Pode alguém realmente duvidar de que ele vai voltar? Nezumi compreende o que a perda significa, e a partida; experimentou mais disso na sua curta vida que um humano deveria ser capaz de proclamar. Ele experimentou a dor de pensar que Shion o deixaria para trás, a dor presente num beijo de despedida. Se nós aprendemos algo da jornada entre esses dois, foi que Nezumi espera dispersar de Shion a dor que ele próprio suportou. E ele torna claro, para Shion e para o leitor, que aquilo não é uma despedida.

Para mim, a última cena de ambos - aquela despedida dolorosa, o beijo e a promessa - detém tudo o que eu amo neste ship. Porque eu acredito nele. Em muitas outras séries eu suspeito que um beijo ou uma promessa assim iria parecer banal, ou como uma forma barata de o autor atirar um final feliz sem um verdadeiro final feliz, mas em No. 6 é simplesmente... acertado. Porque nós vimos a forma como Nezumi e Shion se amam. Nós vimo-los partilharem a cama e discutirem e insultarem-se e beijarem-se e lutando juntos e sangrarem e chorarem. E após a intensidade da história ir assim tão longe, após a honestidade da sua afeição aberta um pelo outro, faz o perfeito sentido: É claro que Nezumi irá voltar. E claro que Shion vai esperar. É claro. Porque eles foram feitos um para o outro, e tudo o precisam - e tudo o que têm - é tempo.


1 comentário:

  1. MEU SENHOR AMADO FINALMENTE VOU PODER SURTAR AQUI <3

    Gente, eu estava a teemmmpppoooss para vir comentar, aliás, li esse post no mesmo dia em que me mandou o email falando dele, porém como ultimamente minha pessoinha anda muito ocupada vagabundeando por aí em shoppings e cinemas, só consegui vir surtar aqui hoje.

    Enfim.......MEU DEUS TODO PODEROSO E MAIS BUDA ME DEIXEM EU ABRAÇAR A PESSOA DIVOSA QUE FEZ ESSA ANÁLISE E A ANY-CHAN POR TER TRADUZIDO ELA! Cara, está espetacular essa análise, concordo com tudinho que está aí, aliás, ela me fez entender melhor alguns pontos do shipp, principalmente o fato do Nezumi ter se separado do Shion. Por um lado eu sabia o porque, mas ainda assim tinham algumas pontinhas soltas na minha cabecinha. Mas, o melhor foi ler que na visão dela o Nezumi e Shion irão se reencontrar algum dia <3333333 OMG MEU CORAÇÃO PODE DESCANSAR FINALMENTE <3

    Outro ponto que amei dessa análise foi a percepção dela em ver que o shipp vai muito além daquele nosso clichê "preto e branco". A forma como cada um foi se transformando aos pouquinhos devido a presença do outro, mas sem deixar a sua essência de lado, foi espetacular! Eles se completam, mas ao mesmo tempo entram em conflitos, se entendem, aprendem um com o outro, deixam um mudar ao outro, mostrar seu mundo aos pouquinhos.

    Concordo também na parte da forma natural como o romance acontece! É bem como ela falou:"Nezumi. Estes são todos pequenos momentos, momentos normais, mas qualquer pessoa que tenha amado e vivido com alguém irá reconhecer que é o que pessoas que se amam fazem quando estão a viver juntas", aliás, esse trechinho me lembrou de um anime que terminei faz umas semanas, chamado Plastci Memories, no qual a protagonista ao invés de ficar fazendo grandes programas com o namorado dela, apenas queria passar o dia a dia normal com ele, aproveitar as coisas de forma natural e simples, como qualquer casal faz. Essa convivência que mesmo sendo simples é algo que possuí um significado enorme <3. No.6 não tem grandes e pupurinadas declarações de amor que aparecem do nada, é algo simples, que vai tomando corpo gradativamente e é justamente por ir com calma e simplicidade que torna tudo tão natural e aceitável <3. Aliás, a coisa é tão natural e bem trabalhada que tem até homens/mulheres que mesmo não curtindo yaoi assistiram No.6 e aprovaram a obra. (aliás, estou numa luta para fazer meu primo ver esse anime!).

    Enfim, a análise está perfeita e a sua tradução tá muito boa!.....Okss, eu sei que num manjo de inglês, mas ainda assim posso dizer que a tradução ficou clara e de quebra cê fez tudo isso sozinha! Cara, parabéns! XD (eu já teria perdido a paciência na terceira linha da tradução e.e''''')

    Kiss

    P.s: Só acho que deveriam fazer uma ova yaoi desses dois juntos <3

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